domingo, 25 de agosto de 2019

Um flerte antigo com a morte

Toda vez que fico sabendo da morte de uma mulher, parece que vai um pedaço meu junto. Pode parecer meio clichê, "coisa de feminista", mas é assim que é. Foi com a morte da minha tia Sônia, da Claudia, da Amy, da Marielle, da Agnes, de tantas outras. Hoje foi com a morte da Fernanda. Um sentimento latente de que morri mais um pouquinho.

Eu admirava Fernanda e me identificava bastante, mas nunca fui fã. Conheço quase nada da sua obra e me sinto repetindo, envergonhada, a máxima "depois que morre é que a gente reconhece". Mas o que bateu fundo foi sua partida precoce para a expectativa humana média atual. E não porque foi assassinada como Claudia e Marielle, ou porque se matou aos poucos como Amy, mas porque simplesmente chegou a hora de ir, ainda sem as marcas do tempo na pele, como as de Agnes. Desde pequena tenho uma certeza estranha de que eu também vou partir cedo. Depois que completei 30 anos, sempre penso que está quase na hora. Fernanda partiu aos 49 e a primeira coisa que me veio à cabeça quando soube foi "tenho aí mais uns 15 anos pela frente". E fiquei satisfeita. Estranhamente satisfeita com a perspectiva desse prazo para a minha partida.

A depressão chegou na minha vida modificando todos os meus pontos de vista há quase um ano, precedida por uma ansiedade que me sufocava havia tempos. Desejar a chegada da morte e pensar em formas de partir pra cessar a dor fazem parte do esquema. A minha sorte, ou a falta dela, é que fui criada sabendo que interromper a trajetória não faz a dor passar. Então vou operando aqui no esquema do um dia de cada vez, trabalhando, sorrindo, criando os filhos e pensando "mais um dia" ou "menos um dia", o que couber melhor. O fato é que com mais 15 anos dá pra terminar de criar os meninos e inventar mais umas modas. Ainda há dias, como hoje, em que quero agora, mas a perspectiva dos 15 tá ok.

Uma das formas que encontrei para amenizar a dor foi me tatuando. Fazer outro lugar doer para deixar ela deslocada por um dia ao menos e ainda marcar na pele símbolos que fazem parte de quem eu sou, vem me parecendo uma ótima estratégia. A partida da Fernanda chegou até mim por um post com uma foto que deixava bem a mostra suas tatuagens. Eu não faço ideia se tatuagens faziam parte de alguma estratégia da Fernanda, mas do que eu tenho absoluta certeza é de que mulheres são conectadas por algo incompreensível e, toda vez que fico sabendo da morte de uma, parece que vai um pedaço meu junto. 

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