segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Para o meu pai preferido

Vô,

Que saudade que eu sinto de você. Desculpa já começar falando de saudades, mas se não fosse pra iniciar esta carta falando dela não seria eu, sabemos bem. É saudade, mas uma saudade sadia, bem resolvida, dessas que não doem e sim nos fazem sorrir. Sinto falta da paz que sentia do teu lado, do sentimento de proteção que só sentia com você por perto. Ainda estou tentando me sentir em paz e protegida sozinha, um dia eu chego lá. Sabe vô, desde aquela despedida dolorida e consciente que tivemos quando eu e José fomos te visitar no hospital, muita coisa aconteceu na minha vida. Sei que não é necessário narrar aqui porque tenho certeza que está acompanhando tudo, nos detalhes. Por vezes, nos dias mais escuros, te sinto tão pertinho que me sinto aliviada, do mesmo jeitinho que eu devia sentir quando você me roubava do quarto dos meus pais e fazia com que minhas cólicas passassem. Eu era um bebê e não me lembro de verdade, mas ouvi tantas vezes essa história que criei uma memória pra ela. O que me ajudou a construir essa memória foram três coisas de que me lembro muito bem: suas mãos calejadas e cuidadosas, seu sorriso sagitariano (que derretia qualquer coração) e seu cheiro. Fecho os olhos e lembro exatamente de como era te abraçar, ouvindo seu coração bater enquanto brincava com os botões do seu blusão.

Bem, minha vontade de escrever surgiu por conta desse último dia dos pais, com meu caçula João - que você não conheceu - completando dois anos de idade e a carta que Camila te escreveu e postou numa rede social. Sempre admirei sua força, segurança, amor infinito e senso de responsabilidade pela família que construiu. Mesmo quando errava, era pura e simplesmente por amor, todos nós temos certeza. Poucos homens possuem sua capacidade de doação, amor e proteção. Mas ontem, ao ler a carta de Camila, me dei conta da sua giganteza e chorei muito. Acompanhamos desde muito pequenos a história da sua filha que tinha a idade do meu irmão do meio e que ninguém conhecia, nem você. É de uma beleza sem tamanho que vocês tenham conseguido se encontrar, se amar e que ela tenha te perdoado ainda nessa existência. É uma das histórias mais acalentadoras que conheço. O maior medo de uma mãe é a de que seu filho sofra e, na minha condição de mãe solo, depois de um piquenique sem a presença do pai de João e mais um dia dos pais passado com os avôs, ao ler Camila escrevendo sobre o resgate de vocês é esperançoso do tamanho do seu abraço apertado.

Não sei se sabe, mas eu aprendi a ser corajosa com você. E se não fosse por isso, eu não estaria mais por aqui. Lembro de quando você soube que meu primeiro dente de leite tinha amolecido e o arrancou no susto. Ainda não estava mole o suficiente, doeu muito, saiu bastante sangue e minha vó quase te matou, mas depois disso eu arranquei todos os outros sozinha. E estanquei todos os outros sangramentos, de dentes arrancados ou não, também sozinha. Depois de ter passado uma vida te observando consertar telhados, construir muros, não deixar faltar nada pra nenhum de nós, mexer com eletricidade como quem mexe com brinquedo, cortar árvores sozinho, fazer bacias de salada de frutas no Natal, nunca deixar de cumprir seus compromissos espirituais, ensinar pra gente o cara responsa que Jesus Cristo foi, me ouvir falar do que aprendi nas aulas de geografia às sextas cheio de interesse e ainda levar a gente para praia ou para o cinema, tudo isso sem nunca demonstrar cansaço, me fez forte, mesmo com medo. E você sabe que te trato por “você” e não “senhor” porque nosso papo sempre foi reto, sempre nos olhamos a partir da mesma perspectiva.

Você é um ser imenso vô. Parabéns pela vida digna e encorajadora. E, obrigada por ainda me ensinar tanto.

Meu avô, meu pai e como você também contava, meu filho (mas essa é outra história). Te amo.

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