terça-feira, 7 de outubro de 2014

Sobre o dia da razão

Descendo a passarela em formato de caracol da Estação de Austin, com aquele vento gelado da manhã, o cheiro das verduras e frutas das barracas e o som dos jingles de políticos pra acompanhar, se deu conta de que tudo na vida é um eterno espiral, com todas as suas proporções áureas, sequências de Fibonacci e homens vitruvianos. Não foi dia de poesia, foi dia das extremas razões mesmo. Quem não tinha sete cabeças exatas de tamanho, teve vontade de desaparecer.



sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Sobre a saudade do que não conhecemos ou Real Raciocínio



Nos anos de 2002 e 2003, fiz meu 2º e 3º ano do Ensino Médio em um colégio aqui de Nova Iguaçu que teve uma única turma de ensino técnico em Artes Cênicas, da qual tive a sorte de participar. Eu tinha 16 anos e muita sede. Dentre todas as coisas que li, aprendi, repeti e conheci, está o texto "Real Raciocínio" do surreal Ileci Ramos Filho, mais conhecido por essas bandas como Cisinho. Topei com esse texto numa aula da matéria de Interpretação ministrada pelo mestre Marcos Serra, que havia começado seus feitos cênicos sob a batuta de Cisinho e nos apresentou esse gênio! 

Numa pesquisa rápida pela internet, encontrei dois links que ajudam a entender um pouco de quem foi esse cara e de como a figura dele foi extremamente importante num momento de grande efervescência para a cultura aqui da cidade. Dá uma conferida aê: "Amigo" e "Caçadores de Perereca".

Em janeiro de 2007, Diego Bion, meu companheiro de amor e ideias, fez o filme "Sobre a Raízes das Laranjeiras ou Real Raciocínio" (para assistir, CLIQUE AQUI) baseado no texto do Cisinho. Participei do filme contribuindo em vários estágios da produção e Marcos Serra também, atuando. Na época, ninguém sabia ao certo do paradeiro do Cisinho, alguns diziam que ele tinha voltado pra Bahia, e estavam certos. Descobri na minha pesquisa na internet que ele faleceu em outubro de 2007 na cidade de Barreiras na Bahia e foi sepultado em sua cidade natal, que fica aqui do ladinho da gente, Belfod Roxo. E eu, infelizmente, não tive a honra de conhecê-lo e de mostrar esse filme pra ele.

Bom, eis o texto, que sei até hoje de cor:

Real Raciocínio
 de
Ileci Ramos Filho

Entro e saio de vidas
afundo e desafundo minha alma na alma dos outros...
Depois grito, regrito e desgrito e encaro a barra de viver comigo triste
o tempo todo sem socorro sem ninguém que me valha neste ou naquele fim...
estanca minha vida e eu, pessoa, raciocino
força e fonte  mental de solução: calo, recalo, descalo e sigo em frente falando e pensando tudo novamente.

Engraçado... anoitece e nem sempre é noite
mais engraçado ainda, é que é nas noites dos poderosos desses tais “comigo ninguém pode” é que procuro e acho os meus escapes, quando dentro deles penso: “amanhã eu vou acordar com uma grande idéia na cabeça” - pensando assim adormeço e levo para a cama a certeza de que essa idéia irá revolucionar o mundo.

Amanhece, chega o dia... nada acontece!
Mas também pudera pensar direito, quem achar que eu pensei as avessas estará enganado, completa e redondamente enganado. Eu? Eu sou a ilusão que virou gente! Quando? Num dia qualquer, num ano qualquer, no mês tal, hora tal, etc... e outros tantos tais. Tive dúzias de possíveis feitores, todos retardatários, imaginem todos crédulos de minha própria autoria.
Mas foi-se o tempo, aqueles malditos tempos, em que em cada frase deles havia uma cela aberta para mim.

Eu sou uma represa invadida que estourará enlameada de dúvidas. Isto porque eu sou feito de buscas, eternas procuras sempre ocultas em mim, este semi-cadáver ambulante que perambula visível aos olhos nus dos que me fitam.
Se alguém perguntasse: “quando essa represa que sou irá explodir?” Eu responderia:
-Não sei! E acho que ninguém sabe. Pois o dia é hoje, amanhã é promessa de alguém que pensa ou sabe realmente mais.

Mas, ó sublime inteligência, príncipe e futuro rei da paciência, impossível legar-te mais sofrimento, porque negar a este devoto um novo voto de confiança antes que ele sucumba sem antes mesmo de discernir que isto é bom, isto é mal, isto é feio, aquilo é bonito e assim sucessivamente.

É de mim, sim é de mim! É de mim que vaza o silêncio dos outros. É de mim, também, que chega o ócio do grande cigano, o maior de todos, o dono de todos, o príncipe e futuro rei da minha impaciência de ser feliz.