domingo, 29 de julho de 2018

Ter-nu-ra

"Não há nada mais forte do que uma mulher destruída que se reconstruiu".

Li essa frase hoje e juro que se eu tivesse um caminhão, essa seria a frase da traseira. Mas por hoje eu estou exausta de ser forte sempre, de fazer fundação e levantar parede sozinha. Daí tenho deixado que outras pessoas se aproximem pra, quem sabe um dia, encontrar alguém que divida o trabalho braçal e encorajador de construir um novo lugar comigo. 

O reposicionamento do querer é dolorido, mas o que eu mais sei fazer na vida é querer, então preciso de alguém que queira e que devolva. E isso você já sabia, a nossa última conversa sobre construções foi cheia de analogias e ao mesmo tempo esclarecedora. Ainda me pego rolando mensagens atrás de um sentido, de você, de nós, e no fim das contas, de mim mesma. Em meio às constatações e recalculando a rota, está complexo me reconhecer. Acho que é normal, não é? Faz parte do processo de desapego. Só que o que está pegando agora é justamente uma dose restante de apego. Cheguei naquela fase em que a gente não consegue deixar o sentimento ir. Foi tanto tempo de coração batendo forte e de contradições que me assoberbavam, tanto tempo pedindo pra que acabasse, que agora que o mar está manso, eu não estou sabendo lidar com a calmaria. Todo o rebuliço que você me causava, está indo embora, me dando adeus da esquina faz semanas, como quem só precisa que eu chame pra ele voltar. Mas ele vai cansar de acenar em breve e vai embora. E você vai junto com ele, sem me mandar a foto do meu coração revelada e pendurada na tua parede. Na verdade eu nem acredito muito que ela exista e, se existir, alguma coisa ficaria pra trás, invariavelmente. Da próxima vez que alguém se aproximar, deixe que façam um jardim nesse terreno baldio, vazio ele não vai servir pra nada. Só não esquece de que as flores do terreno ao lado também precisam ser regadas, e é só água meu amor, não tem segredo. Chora de vez em quando e principalmente, respira. Vou seguir daqui lutando pra manter a ternura, que essa precisa ficar.

sábado, 21 de julho de 2018

Quando um samba define

"Logo logo assim que puder vou telefonar. Por enquanto tá doendo."

Tem dia que o amor estala dentro e se expande, igual estrela quando se choca no universo. Ela não teve tempo de esperar deixar de doer pra telefonar, como diziam os versos de "Eu e Você Sempre" na voz maravilhosa de Jorge Aragão. Telefonou e como sempre, se arrependeu, porque não importa o quanto você se importe, algumas pessoas não se importam.

Enquanto bebia a cerveja no copo e fingia ouvir quem estava em volta, só pensava no que faria se ele deixasse de existir. Ao invés de perguntar "como você está?" a vontade era de enviar "é como diria aquele slogan, potência não é nada sem controle".

Não importam as boas intenções e o inferno estar cheio, sempre há lugar pra mais um. E não importa o quanto o amor expanda, porque o que resta são os cacos do acidente.

"Encontrei o anel
Que você esqueceu
Aí foi que o barraco desabou..."

domingo, 8 de julho de 2018

Toda a flora

Uma personificação da Deusa no palco, outras tantas no chão e no teto. No meio da catarse coletiva que pedia pra deixar brilhar, todas elas se curavam, mas uma das Deusas do chão pulsava como quem se exorciza. Quando a Deusa que cantava chamou o piloto, o arremate no bordado fez ainda mais sentido e o autoexorcismo deu resultado, porque os processos não acabam, eles só dão lugar a outros.

"Que apesar de tudo me adora não foi suficiente, não é suficiente, porque é tudo tão mais real e bonito quando é facinho, quando todo mundo gosta de gostar. Vocês não concordam?". Ela pensava, se perguntava e dizia às outras ao mesmo tempo.

Há uns três ou quatro caminhos atrás, a Deusa do chão tinha confundido fogo com terra e acabou queimando o que restava. Mas não restava mesmo muita coisa, então foi melhor queimar tudo como num ritual antigo que conferia à árvore condenada alguma dignidade, do que perder mais tempo adubando as raízes de um tronco sem vida.

"Entendido isso, agora vamos lidar com isso. Como? Vivendo. É um desperdício ficar correndo atrás do próprio rabo. Quem quiser, que fique. Vocês não concordam?". Ela pensava, se perguntava e dizia às outras ao mesmo tempo.

Sendo o próprio gozo, dando passos em direção ao outro e o outro em direção a ela, saudade todo dia sendo amor, se amando junto com o outro e querendo isso pro outro também. Amor próprio, reciprocidade, afeto e respeito - pra deixar claro pra quem finge que não entende.

Dessa vez o caminho era de água com terra de verdade, lama pura pra todo lado. Aí não dá pra uma Deusa do chão, filha de caranguejo, não mergulhar. Eram dias de desfazer para refazer, dias para agradecer.