quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Pertencimento

Demorou tempo pra emergir. Tinha verdadeira adoração pela sua ostra, quentinha, escura. Até que a fome começou a consumir tudo, depressa. Surgia da sua pele bocas famintas, minúsculas, milhares. Na cabeça, a dúvida entre sair e ficar, mesmo com toda a azia. O eco das frases "pode dividir todos seus desejos comigo" e "você é egoísta", do alto de sua bipolaridade, lhe enforcavam o coração que tentando respirar acabava por esmurrar seu peito. Não havia complacência, para com os outros realmente é mais difícil, e a fome comungava desse pensamento. Decidiu-se enfim por sair e foi subindo devagar, porque na água a gravidade funciona ao contrário. O infinito azul era gelado e gentil. Chegando na superfície, por mais que a luz cegasse, o contato com o calor saciava a fome. Agora entendia os girassóis, apesar de não conhecê-los pessoalmente. "Helianthus" é muito mais bonito que "ele antes". Agora entendia como a falta de um "h" tem o poder de profanar. Nadou até a praia, colocou os pés na areia pela primeira vez e caminhou mata adentro, sabendo que pertencimento tem raízes profundas na alma e não num lugar.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Tentativa número XXV

Se bastar ou não se bastar? Assim vão se entendo madrugada a dentro. De repente, o fogo invade a casa feita d'água e a paciência morre. O desamparo passa o dia seguinte num choro compulsivo com a luz do celular refletida nas lágrimas que escorrem do seu rosto. Ele troca mensagens com a dor, enquanto a impotência faz carinho em seus cabelos no meio da escuridão. A lua em áries não é mãe de ninguém.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Antônio Fraga

A postagem de hoje é em homenagem ao incrível Antônio Fraga - pra entender um pouquinho mais sobre esse cara, deixo o link de uma postagem no Blog do Ferréz chamada "Antônio Fraga mais marginal impossível" e uma matéria de Mauricio Stycer, repórter do iG, intitulada "Antônio Fraga: a solidão de um grande escritor". Já postei há muito tempo um poema dele, querendo ler também, você encontra aqui.

Bem, só vim aqui mesmo pra deixar um conto dele. É que pra mim, Fraga escreve como se sempre estivesse em setembro.


Chuva de Estrelas
de Antônio Fraga

Ao bom amigo e pintor Pancetti

Poeta.
Os olhos melosos, a juba leonina e o ar distante denunciam-no.
Comprava-o, a roupa mal amanhada, descolorida, imunda.
E para que não sobre dúvidas, vejam-lhe o nome, muito ridículo é certo, mas poético à beça – Cândido Gentil.
Nasceu poeta como quem nasce corcunda, por fatalidade. Fatalidade genealógica.
O avô, nos tempo de Pedro II, amerceou as damas da corte com galanteios rimados e, não satisfeito com isso, irmanou-os num volume – Gentilezas.
O pai contou sílabas pelos dedos e botou mais estrelas nos seus versos que o bom Deu no infinito.
Ele, zeloso como um chinês pelo fulgor da tradição familiar, “musicará idéias que elevarão à estratosfera o glorioso nome dos Gentis” – poetas incompreendidos e hereditários.
O instinto segredou-lhe algo sobre os estilos decadentes. Os cabeçalhos dos pasquins, sempre enlutados com o carvão das letras quilométricas, mostraram-lhe que o mundo tem sede de novidades. E um intelectual de vanguarda explicou-lhe que “para ser modernista basta virar as coisas pelo avesso.”
Não sabe que a originalidade é aquela “outra história” que o Kipling não contou; que os Baudelaires não tingem mais os cabelos de verde; e que escrever coisas sem nexo não é “mariodeandradismo”, é burrice.
Vamos surpreendê-lo em ação.
Masturba-se – quero dizer, pensa. Olha para o teto, na falta de céu, em busca de inspiração. Só vê sujeira de moscas, mas persiste,
A inspiração desce do teto. Trepa na pena. A pena desliza no papel, desenhando, num cursivo que três anos de caligrafia aprimoraram as palavras.
Pronto. Já temos título – Chuva de estrelas. – Que título! Vai causar inveja a muita gente boa. Ora se vai!
Destaca as sílabas, vagarosamente, saboreando-as:
- Chu-va-de-es-tre-las.
Bota reticências depois de estrelas, para o título ficar mais engraçadinho. Sublinha o título. Beija o título.
Que diabo! Não é que ia esquecendo a ilustração? É preciso de fato pensar na ilustração.
Coça a cabeça. Uma mulher nua? Sim, uma mulher nua e as estrelas prateadas escorrendo pelo corpo. Esvazia a unha do excesso de caspa. A ilustração é caso resolvido.
Agora espreme o cérebro em busca de um poema que concorde com o título. Fica penando um quarto de hora à cata do primeiro verso. Nem pingo de idéia!
Enquanto o verso não vem, namora um pensamento. Ei-lo: chuva de estrelas dá um ótimo título para o livro. É. Está resolvido.
Escreverá um livro.
E o editor? E a crítica?
Nada de editores. Os editores são uns piratas. Nem um exemplar para a crítica. A crítica é incompetente.
Mastiga as palavras piratas e, incompetente como um homem superior, como um gênio!
Começa a ser consagrado – na imaginação, por enquanto. Solicitam-lhe autógrafos, entrevistas – como os repórteres são cacetes! – e é confidente de ministros. Ministros? Ministros? Ministros nada! Vê lá se vai dar confiança a ministros. O ditador? Sim, confidente do ditador. Ali na batata!
Ensaia sorrisos hipócritas, protetores, compassivos.
- Seu Cândido, vou desligar a luz. Ta na hora.
É Dona Maricota, a proprietária da pensão, sempre preocupada com o gasto de energia elétrica.
Coitada, ela não sabe quem hospeda, pensa. Olha mais uma vez o título, despede-se e deita-se, ferrando logo no sono.
E é assim que Cândido Gentil, último do seu nome, “pública” diariamente um livro.


Rio de Janeiro, 1939


terça-feira, 9 de setembro de 2014

Tem uma lua nos olhando

Sobre a lua cheia e como ela me influencia e influencia as mulheres que aparecem no meu feed de notícias do Facebook. Daqui a pouco ela ingressa no signo de áries e eu nem sei o que vai ser da gente.



Porque eu sei que ela vai ingressar no signo de áries? Porque acompanho a página Saturnália, acompanhe também!

Foto de Nathalie Ribeiro, uma das influenciadas do meu feed!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Do que é passageiro mas não é pequeno

Pequenas paixões. Essa foi a frase que veio à cabeça para iniciar seu conto. Quando releu, compreendeu que algo destoava. Paixões nunca são pequenas, não há medidas onde caibam. Desistiu do conto e enviou um sms declarando a sua, mesmo sabendo que era passageira.

sábado, 6 de setembro de 2014

O mundo só pra ela

No fundo, queria o mundo só pra ela. O coração canceriano, ciumento, maternal, filho de oxalá, doía. Não conseguia que fosse de outra maneira, não queria medir, ponderar, ser cuidadosa. A ansiedade fazia com que não respirasse direito e a levava a comer os cantos da boca até sangrarem. Tinha de ser grande, longo e apertado todos os abraços, os encontros, os desejos.  Egoísta, queria o mundo só pra ela.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Fluidez

Circulava pela metrópole como quem tem sede de abraço longo. Noites e noites andando de ônibus, olhava pela janela se deixando mergulhar no asfalto das ruas. Decorou todos os números das linhas de ônibus e mapeou seus respectivos trajetos, desenhando num caderno como quem coleciona figurinhas. Era assim que conseguia organizar cabeça e coração. Trabalhou nesse mapa até o dia em que deixou de existir como pessoa e passou a existir um pouquinho em cada banco de ônibus em que se sentou, tornando-se etérea. Assim mesmo, sem morte, como mágica. Lenda urbana ou paixão pela cidade, pode chamar como quiser.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Coragem

Ele sempre deixou claro pra ela a sua vontade de pular. Ela sempre disse não. Quando ela tomou coragem e pulou, ele se limitou a ficar sustentando-a pela corda, com medo de perder pra sempre.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Acumulações

Dividir-se ou
multiplicar-se ou
todas as dores e descobertas do mundo
sobre os ombros.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Versus e mais

O meu jeito
versus
o teu jeito,
conjugado 
aos jeitos dos outros.
Essa vida que a gente inventou pra nós.