sexta-feira, 18 de maio de 2018

Exu

Yami se deu conta de que quem fazia tudo era ela. Caçava o bicho, arrastava até em casa, puxava água do poço, cozinhava no fogão à lenha, banhava e alimentava as crianças, varria e organizava a casa e, ainda, cuidava da horta nos fundos do quintal. Nesse dia fatídico, olhou em volta e o tempo ganhou outro compasso, deixou de ser linear e passou a ser cíclico. Ela podia sentir o gosto, o cheiro e a textura da vida. Descobriu que era mais simples se acolhesse e acalentasse sonhos e pesadelos, sendo paciente consigo mesma, afinal, era a única responsável pelo seu lar. Já tinha dito tudo o que precisava dizer, sentido o que precisava sentir, doído o que precisava doer e ainda faltava. Os hífens, não à toa usados para criar espaço, estavam todos postos em seus devidos lugares. Ela não havia se mexido para inserir nenhum deles, mas era fato que estavam lá. A sensação era aterrorizante e libertadora. O momento chegado era de sentir prazer nos rituais cotidianos e de criar espaço para apenas se balançar na rede fumando um cigarro de palha. Era uma delícia enfim existir inteira. Pensava que tinha muita metade por aí se achando inteira e estragando tudo. Pra existir junto, só daria certo se existisse inteira também. Pronto, era isso. Agora a porteira estava segura de novo.