segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Uma metrópole cheia d'água

Pisamos, todos, numa terra recheada de água. Rios, baías, nascentes, mar. Mesmo com a poluição desse mundão de água que mais parece um autorretrato, um raio-x desse bicho humano hospedeiro dessa metrópole, as águas estão aqui, nos rodeando.

Apesar dessa introdução que parece apresentar um texto mais pragmático, que poderia falar sobre nosso falho sistema de distribuição de água potável, onde a água sai da Baixada Fluminense, vai direto até à Zona Sul e só depois retorna para a Baixada e para a Zona Oeste, com manobras esdrúxulas que escolhem o bairro que recebe água ou não em determinado dia através do Sistema Guandu; ou ainda que o Leste Fluminense e seu Sistema Imunana-Laranjal está fodido e que em breve sua população gigante não terá mais água para beber. Na verdade eu vim mesmo falar de divagações, em como me sinto tendo meu corpo feito metade de água, vivendo nessa terra cheia d'água, sob efeito dessa rocha gigante que flutua pertinho da gente.

Eu não tenho dúvidas da influência da Lua no nosso humor, libido, pragmatismo e autoestima, principalmente vivendo numa terra onde a maré e seus estados são elementos constantes. Eu claramente rendo mais sem Lua no céu. A Lua cheia me afoga. Um oceano de possibilidades, sensações e angústias me dão caixotes seguidos e o mais bizarro deles é a ovulação. Mulheres obviamente sentem mais os efeitos da Lua, das marés e dessas águas todas que nos rodeiam com esse "plus" biológico. Sei lá, eu realmente acredito que deveríamos levar mais a sério essa terra de muitas águas, ou melhor, levar mais a sério as muitas águas dessa terra. O que vemos espalhados por todos os cantos dessa metrópole não são valões, são rios. Veias abertas, com sangue correndo por elas. Tem água pra todo lado, dentro e fora da gente. A Lua vai regendo essa engrenagem poluída como pode e no fim a gente não entende porque tá tudo tão fora do lugar. Nos reconectar com nosso chão, com nossas águas, com a nossa ancestralidade, é disso que a gente precisa. Olhar lá atrás, descobrir como faz pra gente se reencontrar. Água, doce e salgada, está por todo lado, e é vida.

Eu daria tudo o que não tenho pra molhar os pés num Rio Botas, um dos últimos que ainda podemos ver aberto na Baixada, limpo e cruzando Nova Iguaçu majestosamente. E que delícia seria poder tomar um banho de mar no tesouro que é a Praia das Pedrinhas, em São Gonçalo, numa Baía de Guanabara toda limpa. Enquanto isso não acontece vou agradecendo assim "Obrigada Rio Guandu, pela água nossa de cada dia". Essa deveria ser a reza de todo carioca.