domingo, 30 de outubro de 2016

Ele tem asas

A maternidade é uma loucura. Primeiro um outro humano é gerado dentro da gente a partir de pedacinhos microscópicos e, durante esse processo, o nosso corpo se modifica sem dó pra dar espaço e conforto pra esse ser. O humano "novo em folha" sai - e é foda pôr pra fora, de uma maneira ou de outra - e passamos meses sem dormir direito, comer direito, tomar banho direito, viver direito porque só dá tempo de cuidar da criatura. Na real, nunca mais se "vive direito" depois dessa experiência, esquecem de enfatizar que é para vida inteira. E vida inteira é tempo a beça. Ainda tem nessa conta todas as mudanças que o novo humano traz pra gente, e que não são só físicas. Quem dera que fossem.

Passado o susto inicial, o serumaninho vai ficando gordinho, fofinho, engraçadinho e apesar da lambança que faz, a gente se apaixona perdidamente. E tudo vai se ajeitando, se assentando, e o que saiu de dentro de mim aprendeu a andar depois de gastar todas as rodas do andador, falou mamãe a primeira vez pra nunca mais parar, comia apenas cinco coisas diferentes porque colocava todo o resto pra fora, começou a dormir longe de mim aos 8 meses sem problemas, chamava as pessoas de "mitil" ao invés de gentil aos 2 anos e chegou a hora de ir pra escola... até o dia em que me dei conta de que tinha em casa um moleque de quase 7 anos, que me pentelha há meses e com toda a razão pra que eu o matricule na natação, detesta ir pra escola, gosta de jogar no computador, de assistir desenho japonês e filmes de fantasia, negocia que eu leia gibi pra ele dormir, fica "de cara" com os amigos da escola que acham que tem coisa de menino e coisa de menina, odeia acordar cedo, me dá o abraço mais delicioso e "bola pra frente" do mundo, sabe contar histórias de terror como ninguém, entende perfeitamente a vida corrida e louca que a mãe tem, até agora já quis ser astronauta, cientista, pintor, me diz no meio da exposição do Mondrian que compreendeu que dá pra fazer árvores com outras figuras geométricas além do círculo e é a criança mais independente que conheço. Muita coisa mudou desde que ele nasceu, já passamos de várias fases no game. A única coisa que não muda, desde a primeira vez que eu o peguei no colo, é o jeito dele de me olhar, um olhar cúmplice e que me atravessa. Não existe caô numa relação como essa.

Eu nunca tive dúvidas de que ele teria asas enormes. E tô aqui só pra dar impulso, sem me arrepender por um momento de ter topado me tornar essa mãe.

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