segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Qual o valor de um papel?

Quando falamos sobre valor, nessa sociedade tumultuada, associamos a palavra diretamente a dinheiro. Quando posso escolher, prefiro deixar entrar pelos meus olhos esse conjunto de símbolos traduzido por outro significado.

Há bem pouco tempo, ajudei a dar vida à iniciativa "O Valor da Cultura", que teve como premissa defender o valor da cultura, compartilhando experiências e trajetórias de jovens de origem popular da cidade do Rio de Janeiro. Geramos, durante pouco mais de um ano, um seminário no MAR - Museu de Arte do Rio, uma publicação e um documentário. Realizar a tutoria desses jovens - tão parecidos comigo - e a produção da iniciativa foi, sem dúvidas, uma das experiências mais interessantes da minha vida profissional e essencial para seguir atribuindo outros significados a essa palavra. Qual o valor da cultura? Era a nossa pergunta chave.

 Realizando uma pesquisa rápida no pai gugol, achei isso aqui:

Valor é a qualidade atribuída a quem tem talento, prestígio, competência, virtude, mérito ou merecimento intrínseco. É uma qualidade conferida a quem tem bravura, coragem e valentia. No sentido figurado, valor é a importância dada a quem se tem estima, afeto, apreço e consideração.

Faço agora uma outra pergunta: qual valor uma certidão de nascimento, contendo o nome do pai, tem para uma mãe?

No site do Instituto Brasileiro de Direito de Família tem uma notícia de agosto desse ano, informando que 5,5 milhões de brasileiros não têm o nome do pai no registro. Quando a gente transforma a coisa em números, fica um tanto impessoal. É exatamente por isso que não gosto de números. Vamos tentar então uma comparação: em 2017, o Rock in Rio teve um público total de 700 mil pessoas em 7 dias de shows, uma média de 100 mil pessoas por dia. Todo mundo já viu ao menos uma foto do Rock in Rio. Pensa naquele tantão de gente aglomerada, os 100 mil de um único dia, e multiplica por 7,85. Vai dar cinco milhões, quatrocentos e noventa e cinco mil. Ainda vão faltar 5 mil brasileiros sem nome do pai na certidão.

Para uma mãe solo, não ter o nome do pai na certidão de um filho é um mix de sentimentos. Rola solidão, culpa, raiva, dor. Sim, dor física até. Pensa, por exemplo (e vou falar aqui a pior das hipóteses), se a criança vai parar numa UTI, só a mãe, e apenas ela, pode ser acompanhante. Eu fui logo com o dedo na ferida porque falar em Dia dos Pais sem o pai presente na escola não é o suficiente - talvez nem essa informação da UTI seja - para que a nossa sociedade entenda que essa é uma questão que precisa ser debatida e combatida pra ontem. E, tô aqui falando apenas de ~ nome na certidão ~. Não falei sobre presença, afeto, divisão das demandas da criança. Esse fundamento eu nem vou puxar, haja braço pra puxar a água desse poço.

Eu esperei dois anos para ter o nome do pai de João em sua certidão. A retificação foi emitida exatamente no dia em que meu filho completou dois anos. Para mim, o valor que uma certidão de nascimento contendo o nome do pai tem para uma mãe é um sentimento de alívio trêmulo e segurança plena de que fiz tudo que estava ao meu alcance. Daqui pra frente, a jurisdição dessa relação não é mais minha. Já era tempo!

Recapitulando: valor é a importância dada a quem se tem estima, afeto, apreço e consideração. É sobre isso.

> Para saber mais sobre a iniciativa O Valor da Cultura (inclusive ver o filme e ler a publicação), CLIQUE AQUI.

> Para ler a notícia do Instituto Brasileiro de Direito de Família, CLIQUE AQUI.

> Para ler sobre os números do Rock in Rio, CLIQUE AQUI.

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