quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Meu amor pelo Rei

Minha família, aquele núcleo base em que um se apoia no outro e que se destaca dos parentes, se forjou no candomblé pelas mãos de uma matriarca branca, filha de Yemanjá, e de um patriarca preto, que nos deixou precocemente, filho de Oxalá. Eu não tinha nem 3 anos completos quando por conta dos caminhos que precisamos percorrer, nos afastamos do culto aos ancestrais. A família do meu pai tinha uma fé tranquila no espiritismo de Kardec e minha mãe, uma médium de mão cheia, pôde se acolher nela durante anos cuidando da gente e de Ogum, orixá que nasceu em sua cabeça há 34 anos e que recebeu com toda sua bênção e proteção cada Pinheiro que brotou nessa terra depois disso.


Aqui na minha cidade, um vale na Baixada Fluminense que fica entre as serras do Mendanha e de Tinguá, as tempestades na época da minha infância eram monstruosas. Descampados e casas baixas deixavam raios e trovões fazerem festa no céu e na terra. E eu sempre morri de medo de raios e trovões. Com o passar dos anos e o aumento do número de casas e andares nas casas as tempestades foram amenizando, mas meu pavor não. Fui organizando o medo da melhor forma que consegui e nos momentos em que a chuva vinha acompanhada da cabeça zoada, eu não dava conta. Podia ventar e chover rios, mas raios e trovões eram a minha kriptonita e sempre perderam feio para os ratos.


Um dia, minha mãe voltou pro axé. O reencontro dela foi tão bonito que carregou os Pinheiros junto e como não podia ser diferente, eu também fui cuidadosamente entregue a Oxaguiã e Oxum, orixás donos da minha cabeça. Em meio a essa redescoberta do sagrado me descobri perdidamente apaixonada por outro orixá, o Rei Xangô. Quando olhava pro alto era ele quem sempre me olhava lá de cima. Foram muitos encontros especiais com ele, com filhos dele e quando engravidei do meu menino mais novo não tive dúvidas, dei o nome de João e disse em voz alta que era afilhado do Rei de Oyó.


Outro dia, ouvindo uma música de um cara que tem Exú no nome, me dei conta de que havia algumas tempestades que eu não entrava em pânico. Xangô me fez entender na prática, com tempo e carinho, onde mora o sagrado no candomblé, nessa sutileza e grandeza da relação de amor, respeito e reverência à natureza. A ancestralidade vibra no corpo e faz cada vez mais sentido.

Um comentário:

The unknown human who sold the world disse...

Aquele sorriso no rosto que fica - foi o que senti ao terminar de ler :)